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Porquê o nome Ana Bola?
Ana Bola - Porque eu era muito redonda, ainda sou, mas, quando era pequenina, notava-se mais. Então puseram-me essa alcunha na escola (risos).

Nesta peça existe uma “Peça dentro da Peça”. Que situações retrata e espelham a realidade do teatro?
Ana Bola - Isto é uma caricatura daquilo que se passa nos ensaios das peças de teatro, mas não é uma caricatura assim tão longe da realidade, porque de facto há actores que se detestam e insultam. Há também actores que vão para os teatros ou televisão porque são filhos do produtor ou sobrinhos do administrador. Portanto, isto parece mais ficção do que aquilo que é, pois às vezes as coisas não são assim tão diferentes.

Vítor de Sousa - é muito difícil encontrar uma companhia com tão maus actores (risos).

Ana Bola - Mas há cada companhia de “canastrões”.

 

E como é que se lidam com essa situação?
Ana Bola - Normalmente, quem precisa muito de trabalhar, e hoje em dia isso acontece muito, lida com essa situação como se ela não existisse. Apesar de não acontecer com muita frequência, há pessoas que pura e simplesmente não a toleram e então não contracenam com actores que não são actores, como não vão a médicos que são falsos médicos.

Sempre quiseram ser actores?
Vítor de Sousa - Sim, desde pequenino comecei a apaixonar-me pelo teatro através da telefonia. Eu vivi mais com a minha mãe do que com o meu pai porque o meu pai foi para Africa. A minha mãe, quando eu disse que queria ser actor, não gostou muito, achou que era um disparate, que me ia meter numa vida um bocado complicada e difícil, e era verdade. Contudo, eu lutei muito por isso, arranjei um emprego para ganhar dinheiro para o conservatório e tive a sorte de me estrear numa companhia em 1965 pelas mãos do Senhor Ribeirinho.

Sempre quis ser actor de comédia?

Vítor de Sousa: A minha primeira carteira profissional dizia “Artista Dramático”, era logo para ficar tudo muito sério e a chorar. Alterou-se para “Actor” e acho que o que é importante num actor é fazer drama, comédia, farsa porque enriquece-nos, não financeiramente, mas por estarmos aptos para ter diferentes formas de estar.

Aparentemente o humor desta peça é inofensivo, preferem esse tipo de humor?

Ana Bola - Eu, para ser sincera, acho esta peça muito divertida justamente porque ela não tem nenhum tipo de mensagem, é apenas para divertimento, mas prefiro outro tipo de humor, um humor que esteja mais relacionado com a actualidade. Este tipo de teatro é mais comercial, uma palavra que indica que estamos a trabalhar para uma produtora que faz teatro comercial logo tem que ganhar dinheiro com esse teatro, portanto uma coisa mais sofisticada não garante isso.

Vítor de Sousa: Uma produtora não se preocupa com as peças que produz e que distribui aos actores. Não lhe importa que sejam peças de qualidade ou daquele humor que estupidifica.

Ana Bola - Esta peça está em cena há três anos em Paris e está esgotada todos os dias.

Há barreiras para o humor?
Ana Bola - Para mim, não há barreiras.

Vítor de Sousa - Não, mas, para mim, há assuntos que, pessoalmente sou capaz de ultrapassar, mas para os quais sou muito pouco recetivo, que é brincar com doenças ou religião.

Como alunos do 9ª ano estamos a estudar Gil Vicente e aprendemos que com o humor ele pretende corrigir a sociedade. Esta peça também se destina a corrigir a sociedade?
Maria Henrique - Não diria bem corrigir a sociedade, mas talvez alertar para os problemas da sociedade para que as pessoas possam resolvê-los. Gil Vicente faz isso através da farsa e nós, neste tipo de comédias, alertamos para outras coisas, não para assuntos tão sérios.

O que é que corrigiam na sociedade?
Ana Bola - Eu? Deus me livre, corrigia tudo e não corrigia nada! Tu queres que te dê uma lista do que corrigia na sociedade? Nunca mais saíamos daqui (risos).

Fala-se muito da magia do palco, a televisão também tem essa magia?
Todos - Não.

O que é a magia do palco?
Ana Bola - Foi o que acabamos de fazer aqui hoje.

Vítor de Sousa - A magia é a comunicabilidade entre quem está em palco com os espectadores, é esse “respirar ao mesmo tempo”. O teatro e a televisão são diferentes, a “estaleca” é outra, os nervos são outros, até a forma de representar é outra.

Ana Bola – Concordo. Para uma peça de teatro ensaiamos durante meses enquanto que para a televisão dão-nos os textos na véspera ou até mesmo no próprio dia e depois ou “tens unhas e tocas guitarra ou fazes-te à vida”, ou ficas porque és o sobrinho do produtor. (risos)

O pais merece os actores que tem?
Maria Henrique - Portugal tem actores fabulosos e às vezes existe uma noção das outras pessoas de que o que é estrangeiro é melhor, não estou a dizer que não é, mas que há actores com a mesma categoria em Portugal há.

Existe alguma personagem que se arrependem de ter representado?
Vítor de Sousa - Eu não.

Qual foi a vossa melhor experiência em palco?
Todos: Foi hoje.

Vítor de Sousa: Eu lembro-me do 25 de Abril em que fizemos uma peça de Bernardo Santareno. Aquele período foi um revolucionário e nós fizemos uma peça chamada “Português, escritor, 45 anos de idade”. Nesse período, a peça era muito apelativa, as pessoas da plateia falavam connosco e diziam coisas sobre as prisões, as torturas, etc… e marcou-me porque foi realmente um momento de viragem em que eu todos os dias levava martelos e foices para casa.

Costuma encarar a vida com humor?

Ana Bola: Eu? Sim sempre, mas isso não quer dizer que eu seja uma atrasada mental ou uma pateta, só acho que a maior capacidade do ser humano é rir-se de si próprio e só ai é que estará à vontade para rir do resto e depois as coisas são tão dramáticas que, de uma maneira geral, é melhor encará-las com humor para não nos suicidamos.

O que é que os faz rir?
Ana Bola: A mim, praticamente tudo.

Vítor de Sousa - Eu gosto muito do humor britânico, muito refinado, muito requintado, gosto muito.

Miguel Damião: Eu rio-me com os amigos.

Ana Bola: E com a Fanny! (risos)

Alexandra Rosa - Eu rio-me quando vejo pessoas a cair.

Ana Bola - E quando mais importante for a pessoa, melhor! Imaginem o Cavaco a cair! (risos)

De que modo é que é que o Teatro pode contribuir para a educação do país?
Maria Henrique - O teatro devia começar a fazer parte do plano curricular nas escolas desde muito cedo porque tem uma dimensão lúdica. Além de se fazer um espectáculo, também se brinca, também se faz exercício, disciplina, aprendemos a estar muito mais à vontade com os outros, portanto eu acho que devia estar presente na nossa vida desde muito pequeninos.

Ana Bola - Até pode substituir um bocadinho o psicólogo.

Maria Henrique - Exactamente, através da brincadeira. Todos nós devíamos ter direito a isso.

João Maria Pinto - Devo-vos dizer que nas instituições de psiquiatria há dois passatempos, um é teatro e outro é pintura, o que quer dizer algo e é realmente curioso.

Ana Bola - E é por isso que nós estamos todos aqui.

João Maria Pinto - Ou seja, somos todos um grande manicómio!

Ana Bola - Por isso se diz que os actores são um pouco esquizofrénicos. Claro que a esquizofrenia é uma doença muito séria, mas no sentido mais leve da esquizofrenia somos um bocadinho! Isto é uma profissão diferente.

Acham que o pais está para gargalhadas?
Vítor de Sousa - Não está!

João Maria Pinto - O país é uma gargalhada!

Ana Bola - Não, mas estes momentos servem também para rir e para esquecermos a tristeza e a revolta e nós gostamos muito quando sentimos que contribuímos para isso para que as pessoas esqueçam o que está a acontecer, que as coisas são graves e se durante um bocadinho, umas horas, uns dias, durante a semana, pensarem que se divertiram, que se riram já não é nada mau. (risos)

Sente que a profissão de actor é mal remunerada?
Ana Bola – Exactamente. É fácil de perceber. Nós somos trabalhadores a recibos verdes não temos direitos, somos trabalhadores precários, se não temos trabalho, não ganhamos portanto, faz as contas.

Mas gosta do que faz…
Ana Bola - Claro, caso contrário não estava aqui. Mas quando eu digo isso, que trabalho por necessidade, não é “ai Jesus que vou morrer a fome”, mas porque me apetecia trabalhar muito menos. Tenho 61 anos e tenho muita coisa para fazer

Vítor de Sousa - Agora estamos em tourné e a nossa primeira paragem é aqui em Bragança. Quando acabar podemos estar cinco meses sem ter qualquer chamada.

Gostaram do público de Bragança ?
Ana Bola - Foi o melhor público que tivemos até agora nesta peça

Vítor de Sousa - Não estamos a dar graxa, mas é verdade.

Maria Henrique - Transmitiram uma energia para aqui.

Como é que caracterizam essa energia de que tanto falam?
João Maria Pinto - Olha lá, tu quando falas com o teu namorado não sentes energia? (risos) e com os teus amigos mais chegados, não passa energia?

Ana Bola: Eu sei o que ele está a tentar dizer, não é no sentido isotérmico da coisa, é pior.

Maria Henrique: Vocês já estão a imaginar o que é estarmos numa conversa e darmos tudo para vocês darem uma gargalhada enorme. Conseguem imaginar o prazer que isso nos dá? Eles estão a gostar do nosso trabalho e isso é um orgulho! Queremos sempre dar mais! É essa troca de energia, vocês estarem tão atentos as pormenores, estarem a motivar-nos e ficarmos cada vez mais felizes a fazer este trabalho!

Ana Bola: Todos os dias os espectáculos são diferentes para nós, por muitos motivos, mas também pelo público. Hoje, o público foi excecional! Já apanhámos de tudo. As matinés em que não se riem, ou se riem fora do sitio são muito complicadas. Hoje vocês riram-se exactamente nos sítios onde nós nos rimos na primeira vez em que vimos o texto!

É fácil fazer humor?
Ana Bola - É muito difícil. Se fosse fácil, toda a gente fazia! Fazer com que o público reaja ao humor é muito difícil! As pessoas são muito diferentes. Há pessoas que não se riem com uma queda, por exemplo, mas há coisas que nós sabemos que provocam sempre o riso. No entanto, fazer humor com alguma elegância e inteligência é muito difícil.

Ana Bola, qual é o seu humorista preferido?
Ana Bola: Para mim é o Herman José. Gosto também muito da inteligência do Ricardo Araújo Pereira e do Bruno Nogueira que tem um género de humor um bocadinho mais negro.

Que mudanças é que sentiu desde o início da sua carreira até aos tempos de hoje?
Ana Bola - Vou dar um exemplo: eu ganho hoje menos tempo do que o que ganhava há vinte e cinco anos. Agora temos mais e melhores condições para trabalhar. Temos, também, mais liberdade que antes do 25 de Abril.

Vítor de Sousa - Vinha a PIDE e arrecadava-te.

Pedro Diogo, onde e como começou a sua carreira de actor?
Pedro Diogo - Comecei num teatro de dança. Estreei-me num teatro em 1997 baseado nos discursos de Martin Luther King, que, apesar de serem dos anos sessenta, actualmente fazem todo o sentido. Felizmente, tive a sorte de passar por várias disciplinas ligadas às artes, tive uma disciplina relacionada com o circo que era bastante diferente do habitual.

Ana Bola - Nunca se pára nesta profissão.

Que conselho poderiam deixar aos jovens?
Ana Bola - Estudem e vejam teatro, vocês têm uma grande sorte, pois o Teatro Municipal de Bragança tem uma grande oferta. Vão ao cinema.

As salas de cinema em Bragança fecharam…
Vítor de Sousa - Não há cinema em Bragança? Isso nem lembra ao diabo. Não haver cinema com um centro comercial é muito estranho…

Pedro Diogo - A solução passa muitas vezes pelos cidadãos. Se sentem falta de alguma coisa devem manifestar-se, procurar, fazer uma pesquisa, contactar a cinemateca… O meu conselho é que sejam cidadãos interventivos.

 

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