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O Centro de Ciência Viva de Bragança foi fundado no dia 30 de junho de 2007, no local onde, durante a Primeira Guerra Mundial, esteve instalada uma central hidroelétrica. A coordená-lo está Ivone Fachada com quem o Outra Presença esteve à conversa sobre a coordenadora, o centro e a ciência.

OP: O que a levou a optar pela divulgação de ciência como carreira profissional?

Sempre dei por mim, ao longo dos anos, a tentar explicar fenómenos complexos de ciência a amigos e familiares, de uma forma simples e percetível, dando ênfase ao que certas descobertas e avanços científicos iriam significar na vida de todos nós. Assim, foi muito natural optar pela divulgação científica e enveredar por esta carreira. Comecei numa dimensão mais prática e científica. Tirei engenharia florestal e fiz mestrado em “Gestão e Conservação da natureza”, numa área relacionada com a genética, mas depois o mundo da investigação pareceu-me que não era bem o que eu gostaria mesmo de fazer. Não me agradava a ideia de estar fechada num laboratório, ainda que depois tenha percebido que não é bem isso que acontece com os cientistas.

Além disso, como várias vezes me disseram que tinha uma queda natural para a liderança e para a comunicação, pela forma como vejo o mundo, este caminho foi perfeito para potenciar as minhas características intrínsecas de comunicadora. Tudo isto decidiu-me a concorrer a este lugar.

Posso dizer que gosto imenso de tertúlias científicas e do contacto com o público no que respeita à realização de atividades práticas (hands-on). Aprende-se imenso com os visitantes e participantes, o que mantém viva dentro de mim a chama da curiosidade que desde pequena sempre tive.

Que atividades gostaria de destacar no CCV de Bragança

Podemos destacar três tipos de atividades diferentes no CCV de Bragança. Por um lado, temos os eventos para a comunidade em geral que são transversais e ocorrem regularmente, como os “cafés de ciência”, “PubHd’s”, os workshops e “oficinas científicas”;

Além disso, temos os projetos tecnológicos e científicos e de divulgação de ciência, da mais variada ordem (Erasmus+, Natureza Virtual, Silkhouse, entre outros). Em equipa, elaboramos projetos e concorremos a financiamento. Já concretizamos vários como promotores ou como parceiros. Temos projetos de financiamento para renovar a casa da seda, estamos a fazer quatro módulos novos e esse – Natureza Virtual – está interligado com outro projeto do IPB para tornar a Casa da Seda autossustentável, temos painéis solares e estamos a reativar o moinho com tecnologia nova.

 Finalmente, temos dois projetos importantes. Um que visa uma intervenção em todos os agrupamentos. A CIM contratou os nossos serviços para em itinerância complementar a ciência que os professores dão na sala de aula. É o projeto “Promoção das Competências Científicas e Tecnológicas”. O outro é “A Escola Ciência Viva” que abriu em 2019, nasceu no pavilhão do Conhecimento há dez anos e Bragança foi um dos sete centros escolhidos. Destina-se a alunos do 4º ano. Todas as escolas vêm passar uma semana ao centro ciência viva. É um programa interdisciplinar, que funciona durante uma semana durante a qual a escola se muda para o CCV.

Conseguimos agregar o ensino público e privado, o meio urbano e rural. E tem formação para os seus professores. Seguimos uma metodologia baseada na aprendizagem pela investigação. Partimos das ideias dos alunos para trabalharmos os assuntos com eles.

Fale-nos um pouco sobre os cafés de ciência.

Este conceito não é original de Bragança. Já existe na Europa desde os anos 60 e entretanto surgiram noutras cidades portuguesas. São tertúlias informais temáticas destinadas a um público leigo em ciência, com a presença e motivação de cientistas com reconhecido papel no panorama da divulgação da ciência em Portugal e/ou de reconhecido mérito como investigadores, que aceitaram honrar-nos com a sua presença colaboração. As sessões têm uma periodicidade mensal, têm lugar no auditório instalado num antigo moinho e tinturaria da seda, hoje "Casa da Seda", e connosco estiveram personalidades como o Prof. Carlos Fiolhais, o Dr. António Coutinho (Instituto Gulbenkian de Ciência), o Prof. Filipe Duarte Santos, Alexandre Quintanilha, o Professor Tiago Campante, a Dra Rosalia Vargas, o prof. Paulo Trincão, o Prof. Pedro Pombo, entre vários outros investigadores e divulgadores de ciência. 

Aqui em Bragança, já fizemos 85 desde 2008 e temos sempre público. Normalmente, numa cidade mais pequena onde as pessoas podem ser mais avessas a fenómenos conseguimos falar com outros atores culturais para não sobrepor os sobrepor a outros eventos existentes na cidade. O sucesso também passa por aí e pela escolha de um local agradável como a Casa da Seda”

Depois, escolhemos pessoas ligadas à ciência para virem contar um pouco como a sua vida é, como fazem investigação e como a coadunam com a sua vida pessoal. Acaba por humanizar mais os cafés de ciência e não ser uma palestra aborrecida e muito cientifica. Nestes a linguagem pretende-se simples para qualquer pessoa poder estar lá e compreender o que se diz. O ideai é que seja uma conversa interessante sobre temas relevantes da atualidade, científicos ou sociológicos. No dia da Mulher, por exemplo, a conversa foi sobre a violência doméstica. O último que tivemos foi sobre astronomia devido às recentes descobertas de exoplanetas e é importante que nós enquanto instituição tentemos dar resposta a essas descobertas.

Pretende-se pensar em conhecimento e cultura científica. Nós não produzimos conhecimento. Os investigadores produzem e nós fornecemos o palco para eles divulgarem a sua investigação. A ciência deve ser acessível e gratuita para todos.

Como é que são contactados os investigadores?

Muitos conheço pessoalmente, outros são recomendados, por exemplo, pelo IPB, que é nosso associado. Depois procuro referências, procura saber se é um bom comunicador, vendo outras palestras, conversando com ele. É preciso ter em conta que há excelentes cientistas, mas que não conseguem comunicar bem ciência. Quando estamos interessados em alguém, contactamos e verificamos a sua disponibilidade. Às vezes o principio é uma palestra que vemos presencialmente, ou em streaming. Foi o que aconteceu com Otávio Mateus, palentólogo de renome. Vi uma palestra, contactei-o e ele disponibilizou-se para vir a Bragança.

 Sendo o principal objetivo do centro a divulgação de ciência, como se estabelece a relação entre o Ciência Viva e o IPB?

O IPB tem a produção do conhecimento científico e disponibiliza-se para o partilhar, através do CCVB, como um facilitador deste contacto entre o IPB e a sociedade. A colaboração estabelece-se de três formas. Por um lado, existe uma relação estatutária. O IPB é nosso associado (o CCV apesar de ser uma associação sem fins lucrativos, é gerido pela CMB, O IPB e pela Agência Nacional).

Num segundo aspeto, existe parceria em projetos. Eles incluem-nos nos projetos, até como forma de cumprir a rubrica de comunicação de ciência.

Finalmente, há colaboração numa outra atividade, os encontros com os cientistas. Temos um projeto desde 2015, onde qualquer escola que tenha alunos de secundário na área de ciências, que queira fazer atividades nos laboratórios do IPB, pode solicitar e a escola abre-lhe as suas portas durante todo o ano letivo, sendo o CCV intermediário neste processo.

Às sextas de manhã, aqui vem sempre um professor do IPB falar sempre com os meninos da Escola Ciência Viva. Os cientistas saem dos muros da universidade e vêm ter uma conversa informal com os meninos.

Por isso, a nossa relação com o IPB é excelente. Nunca nos foi negado um pedido: contactos, material, instalações...

Tendo em conta as múltiplas atividades realizadas pelo Centro Ciência Viva de Bragança, tem perceção do impacto delas na forma como os brigantinos se relacionam com a ciência?

Ao longo de doze anos, podemos afirmar que há vários indicadores que medem este impacto: número de visitantes estável (13 500 por ano) e com tendência ao crescimento. Já houve anos de 18000.

- continuidade de vários eventos que têm muita adesão (cafés de ciência, oficinas, requisição das escolas, workshops variados) número e variedade de participantes em atividades

- o facto de termos vários projetos aprovados e que executamos a 100% com boas classificações de avaliação final; isto quer dizer que há entidades externas que validam o trabalho que fazemos aqui e só o fazem porque veem que há impacto na sociedade, pois o número de participantes e visitantes é alto.

- convite para participar em vários eventos;

- número de resultados (outputs)

- número de produção de atividades científicas (validadas pelo IPB)

Como avalia a relação do CCV com a população?

Muito boa, com aqueles com quem nos relacionamos. Temos consciência que há ainda um segmento da sociedade que legitimamente não tem interesse em ciência ou que assume que o CCVB é apenas uma exposição que aqui está há muitos anos. Haverá alguns que não vêm por medo, porque consideram que aqui só se fala de ciência e que não perceberão nada. É precisamente o contrário. Nós queremos falar de um tema difícil de forma fácil para ser acessível a todos.

Quando as atividades são avaliadas pelos participantes, apercebemo-nos que essa avaliação é boa e que as pessoas gostam do trabalho que fazemos e do modo como o fazemos.

Há todo um programa paralelo de atividades que vai além da exposição permanente e conta com várias exposições temporárias (já albergamos mais de 10 ao longo dos anos). Os convites que recebemos de outras instituições mostra que essa relação é boa.

Proporcionam projetos para todas as idades...

Tentamos, mas há uma faixa etária que não conseguimos cativar – a dos 15 aos 25. – que é muito difícil. Estão mais atrapalhados com a escola, têm interesses muito canalizados e afastados da ciência e é mais difícil convencer a participar em atividades. É um problema transversal a todas as cidades, pequenas ou grandes. Tentamos colmatar isto indo às escolas, por que vocês estão lá.

Que balanço faz da atividade do CCV em Bragança?

Muito positivo. Há uma cultura científica mais forte, também mérito do IPB, que nunca se fechou sobre si próprio e permitiu aos brigantinos ter acesso à muita e boa ciência que aqui se faz.

Para a cidade onde vivemos, muito despovoada, economicamente deprimida e se virmos que Bragança tem 35 mil  habitantes e o CCV tem 14 mil visitantes por ano, isto parece bastante positivo.

A nossa presença regular nas escolas, nosso grande público alvo, demonstra a confiança que os professores têm no trabalho da equipa em apresentar ciência de uma forma mais informal e complementando a sua atividade docente. Dão acesso aos seus alunos a novas e inovadoras metodologias, permitindo que esta complementaridade no ensino, enriqueça o sucesso escolar.

Claro que temos muito espaço ainda para crescer.

 De que forma é que o Ciência Viva concretiza a intenção de desenvolver a cultura científica dos brigantinos?

Aqui atuamos a dois níveis. Desde uma intervenção precoce  (pré-escolar e 1º ciclo). Os alunos do pré-escolar encontram-se numa etapa em que, apesar de não saberem ler nem escrever, absorvem tudo o que apresentamos. Isto permite-lhes despertar para a ciência. Depois temos o primeiro ciclo, que também é uma fase fundamental e com os quais é fácil trabalhar devido à disponibilidade dos professores e dos horários, o que permite desenvolver a sua cultura científica, o que se refletirá no seu futuro.

Finalmente, essa intenção concretiza-se através de programas para um público mais adulto, como os “cafés de ciência” e os “Pubhd” de que já falámos, nos quais levamos três doutorandos a um bar para apresentarem em 10 minutos o seu trabalho de investigação.

Acho que estas duas linhas são uma boa forma de incrementarmos a cultura científica dos brigantinos.

 E quanto a invenções da década? Conseguiria destacar algumas?

Há muitas que eu poderia destacar.  Na área da saúde, escolhi  o  SISTEMA CRISPR. Este sistema é uma forma eficaz, barata e fácil de modificar o genoma com o intuito de eliminar doenças hereditárias, não apenas do paciente como também dos seus descendentes. Este sistema foi descoberto em 1993 pelo microbiologista Francis Mojica, mas foram os cientistas Jennifer Doudna e Emmanuel Charpentier que o tornaram, em 2012, no atual sistema de edição de genoma. É controverso, mas já existe e precisa de ser debatido eticamente, pois levanta questões para as quais a sociedade pode não estar preparada. No entanto, em termos científicos é interessante conseguirmos manipular a nossa genética para que, por exemplo, um bebe que teria propensão para nascer com o gene do cancro da mama possa nascer sem ele. Sem querermos colocar-nos no papel de “Deus”, devemos usar este conhecimento para o bem da humanidade.

Gostaria também de destacar os ROBÔS CIRÚRGICOS. O STAR é capaz de suturar com maior precisão do que os cirurgiões mais experientes, o que elimina o erro humano. O robô cirúrgico está programado para tomar decisões e operar sem necessidade de médicos. Ainda assim, os especialistas garantem que robôs como este nunca substituirão completamente os humanos. Outro exemplo são os robôs Da Vinci, que começaram a ser utilizados em 2000 e já operaram mais de três milhões de pessoas. O cirurgião controla os braços robóticos e os bisturis usando um comando dotado com um sistema tridimensional. Os Da Vinci reduzem ao mínimo o tamanho das incisões.

Na área da tecnologia, considero a realidade virtual e a aumentada extraordinárias.  Vamos ter dois módulos em realidade virtual, que nos vão permitir fazer passeios no Doutro e ver diversos motivos de interesse em realidade aumentada, elementos da fauna e da flora desse locais. Enquanto a realidade virtual coloca o usuário de aparelhos como o Oculus Rift num ambiente totalmente virtal, com o qual ainda não se pode interagir fisicamente – senão por movimentos realizados com a cabeça –, a realidade aumentada traz elementos do mundo virtual para o mundo real, como alguns aplicativos já fazem, ao, por exemplo, colocarem um dinossauro no meio de uma sala.   Essas duas tecnologias são vistas como tendências e podem trazer melhorias para os setores de educação e turismo.

Depois, há ainda a inteligência artificial. As maiores empresas tecnológicas, como a Microsoft e a Google, competem por expandir os limites da inteligência artificial, procurando que as máquinas aprendam por si próprias, que tomem decisões e resolvam problemas. Mas agora a ambição é conseguir que a tecnologia seja capacitada com inteligência emocional, isto é, que sejam capazes de reconhecer e interpretar as nossas emoções e que tomem decisões em função delas (computação afetiva). Já existe uma empresa, EmoShape, que desenvolve um microchip capaz de determinar o estado de espírito de uma pessoa, através de um algoritmo que avalia os dados recolhidos de 45 músculos da nossa cara. E uma entrevistadora virtual chamada Ellie, capaz de identificar sinais de depressão. O filme “Uma História de Amor” é o exemplo daquilo que pode vir a ser o futuro com este tipo de tecnologia. Um mundo em que os robôs vão conseguir fazer parte do quotidiano de uma maneira tão natural como se se tratasse de uma pessoa.

E termino com os nanotubos de carbono. O trio japonês (Sumio Iijima, Akira Koshio e Masako Yudasaka) inventou os nanotubos de carbono. De acordo com o EPO, essa pode ser considerada uma das maiores invenções científicas da década, isso porque os nanotubos são mais duros que diamante e conduzem eletricidade melhor que o cobre. Eles podem até mesmo substituir o silício como material utilizado para fazer chips de computador.

Na ASTRONOMIA, que é um tema que adoro, destaco a DESCOBERTA DE ÁGUA EM MARTE, que é fantástico. Penso que nunca poderemos viver noutro planeta, por isso é importante preservarmos este em que estamos.

Para terminar, por que razão devem as pessoas visitar o CCV e participar nas suas atividades?

Por tudo o que disse anteriormente, porque a nossa oferta é sólida. Mas sobretudo, porque o CCVB é, no fundo, de todos nós e o acesso ao conhecimento deve ser promovido e possuído por todos, democraticamente. Se nós financiamos a ciência e os projetos de investigação, então temos direito ao conhecimento que resulta desse trabalho.

Além disso, é um espaço muito agradável e o conhecimento não ocupa lugar. Quanto mais soubermos mais bem informados estamos, melhores decisões tomamos e de forma mais consciente.

 

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