Palavras que marcam

     
Nuno Camarneiro,  "No meu peito não cabem pássaros"
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“Aniki Bóbó” é a primeira longa-metragem e primeira obra de ficção de Manuel de Oliveira, adaptação de um conto da autoria de Rodrigues de Freitas, intitulado “Meninos Milionários”.

O filme recua à década de quarenta, em plena Segunda Guerra Mundial e no auge do regime fascista de Oliveira Salazar. Este é uma história simples que ilustra as aventuras e os amores de rapazes de baixa condição social da cidade do Porto.
No filme “Aniki Bóbó” está envolvido um triângulo amoroso, Teresinha, Carlitos e Eduardo. Carlitos é um rapaz alto, tímido e sereno, vizinho de Teresinha, que dela não tira os olhos. Este faz-se sempre acompanhar do seu melhor amigo, Batatinhas, um rapaz pequeno e irrequieto, mau aluno, mas muito engraçado que, mesmo querendo, pouco consegue fazer por Carlitos quanto ao namoro com Teresinha.
O grande rival de Carlitos, Eduardo, é bastante atrevido no assédio a Teresinha, junto a quem está sempre a exibir-se. Este não perde uma oportunidade de provocar e humilhar Carlitos.
Tudo isto acontece nas velhas ruas do bairro pobre em que estes rapazinhos habitam, na zona ribeirinha da cidade do Porto, sendo este o palco de todas as suas aventuras.
A enorme paixão de Carlitos por Teresinha leva-o a roubar na “Loja das Tentações”, onde tudo se compra, uma linda boneca de que ela muito gosta.Com a oferta da boneca, Carlitos “rouba-lhe” o coração, mas o medo de ser descoberto e o sentimento de culpa atormentam-no.
Um dia, numa brincadeira inocente, Eduardo escorrega e cai ao lado de um comboio que passa naquele mesmo momento. Todos, inclusive Teresinha, julgam que Carlitos foi o culpado e afastam-se dele. Contudo, tudo se esclarece por intervenção do dono da “Loja das Tentações”, de onde Carlitos tinha roubado a boneca, que assistira ao acidente e que retira todas as suspeitas de cima de Carlitos.
O filme acaba com todos a fazerem as pazes com o rapaz, voltando a jogar aos policias e ladrões, ou seja, o jogo do Aniki Bóbó, fórmula mágica que, nas brincadeiras de crianças, permite determinar, sem discussão, quem é policia e quem é ladrão:
Aniki Bóbó
Passarinho
Tótó
Berimbau
Cavaquinho
Salomão
Sacristão
Tu és policia
Tu és ladrão
“Aniki Bóbó” tem sido destacado por muitos críticos e historiadores de cinema como um filme percursor do neo-realismo italiano que se caracterizou pelo uso de elementos da realidade numa peça de ficção. Aproximando-se em algumas cenas das características do filme documentário, representa, também, a realidade social e económica da época.

O filme desenrola-se numa rivalidade entre crianças que manifestam sentimentos de hipocrisia, egoísmo, inveja e superioridade. A ação do filme é sobretudo sobre a culpa, o medo, o desejo e a transgressão. O facto de os protagonistas serem crianças reforça essas mesmas emoções. Além disso, tudo converge para a “Loja das Tentações”, onde o único adulto do filme preside a um terror tão mais insinuado quanto se assume, simultaneamente, como Deus e o Diabo, oculto conhecedor e punidor dos desejos recalcados. Pode, ainda, constatar-se a presença da mulher, figurada numa rapariga perversamente inocente, Teresinha, e na boneca que metaforicamente com ela se confunde.
O valor e a importância da obra só foram unanimemente reconhecidos muito após a sua estreia, encarregando-se o tempo de tornar Aniki-Bobó numa obra-prima do cinema português.

 

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